O mundo certamente se revela de forma diferente aos olhos de uma criança; tudo parece enorme, curioso e também desafiador. Não é por acaso que há muito se acredita que a nossa perspectiva de mundo é moldada justamente nos primeiros anos de nossas vidas. Quando questionado sobre suas memórias de infância na Suíça, Peter Zumthor afirmou que é exatamente na experiência de mundo de uma criança que reside a mais profunda sensibilidade arquitetônica. É neste lugar que Zumthor diz encontrar os as atmosferas e as imagens arquitetônicas que ele procura explorar em seu trabalho como arquiteto hoje.
Para melhor compreender a forma como uma criança cresce e se desenvolve física e psicologicamente ao longo dos anos é preciso estar atento a uma série de diferentes fatores, como a herança genética, as interações que têm com outras crianças e adultos, assim como as características dos ambientes onde vivem, aprendem e se divertem. Penando nisso, e em comemoração ao Dia Mundial da Criança, nós do ArchDaily decidimos listar aqui alguns projetos da nossa base de dados que nos oferecem um vislumbre sobre algumas das estratégias utilizadas por arquitetos e designers para estimular a autonomia das crianças e promover seu bem-estar físico e mental através do espaço construído.
Atenta a tudo isso, Maria Montessori, médica e educadora italiana, começou a desenvolver um método educacional próprio no início do século XX. Posteriormente conhecido como pedagogia Montessori, este método de educação infantil utiliza técnicas que contribuem para o desenvolvimento e bem-estar físico e mental, criando um ambiente saudável e estimulante capaz de incentivar a autonomia, auto-estima e as habilidades físicas, sociais e psicológicas das crianças.
O método Montessori está fundamentado em três pilares elementares: a criança, o adulto acompanhador e o ambiente preparado, o qual deve ser organizado por um adulto ou acompanhador do processo de aprendizado que esteja familiarizado com as distintas etapas de desenvolvimento físico e psicológico das crianças. Este ambiente deve ser tranquilo, acolhedor, sereno, harmonioso e que esteja de acordo com as necessidades mais básicas tanto das crianças quanto dos adultos. Dito isso, a maioria dos arquitetos acostumados a trabalhar com o método Montessori iniciam o seu projeto com o espaço do quarto, onde a criança passa a maior parte do tempo e a partir daí, vai construindo espaços e elementos capazes de proporcionar uma maior autonomia e liberdade a todos os usuários.
Formas curvas
A segurança é talvez uma das principais preocupações ao projetar espaços infantis, sendo um dos elementos mais perigosos as quinas e ângulos agudos, especialmente aquelas situadas no nível dos olhos das crianças ou na altura da cabeça e também pernas. Para evitar soluções paliativas, como adesivos ou adições desnecessárias, os designers têm recorrido às formas curvas e móveis de linhas orgânicas com bordas arredondadas e/ou suavizadas. Em termos estéticos, linhas curvas dão aos espaços uma aparência jovem, divertida e moderna, algo que “nos transporta de volta à infância”, conforme bem colocado em nosso artigo Tendências em design de interiores que influenciarão a próxima década.
Berçário Sarreguemines / Michel Grasso + Paul Le Quernec
Materiais e acessórios seguros
É muito importante manter os ambientes onde há crianças livres de bactérias, motivo pelo qual, geralmente se recomenda a utilização de materiais fáceis de limpar, livres de produtos químicos e substâncias tóxicas além de protegidos contra insetos e pragas, como superfícies antibacterianas, de microfibra ou vinílicas. Em termos de novidades, os acessórios seguros mais comuns no mercado hoje são as travas magnéticas a maçanetas integradas com bordas chanfradas ocultas—utilizados em substituição às velhas maçanetas e puxadores. Formalmente, estas soluções contribuem para criar um espaço mínimo, integrado e elegante, além é claro, muito seguro e higiênico.
Instalação recria os playgrounds brutalistas de Londres
Restaurante Educativo Lolly-Laputan / Wutopia Lab
Apartamento Blue and Glue / HAO Design
Escala
Em seu influente texto Por Uma Nova Arquitetura, Le Corbusier chamou a atenção para o fato de que “costumamos percebemos a arquitetura da altura dos nossos olhos” e isso significa que do ponto de vista de uma criança, o mundo se revela de forma completamente diferente. Dito isso, os espaços interiores pensados para crianças devem ser reduzidos em escala para poder melhor corresponder à sua altura e necessidades, de modo que elas sejam capazes de se mover livremente e interagir com o espaço sem a intervenção ou ajuda de uma pessoa adulta. Além disso, espaços de menor escala minimizam a sensação de monumentalidade oferecida pelas peças de mobiliário e espaços concebidos para adultos, permitindo que as crianças se sintam mais seguras.
Hotel Michelberger, Quarto 304 / Sigurd Larsen
Ouchi / HIBINOSEKKEI, Youji no Shiro, Kids Design Labo
Espaços interativos
De forma a incentivar ainda mais o desenvolvimento físico e psicológico saudável das crianças, muitos arquitetos têm se concentrado em criar espaços capazes de estimular a sua criatividade e liberdade, através de mobiliários interativos e integrados que incentivem o engajamento das crianças, principalmente considerando que elas aprendem melhor e mais rápido por meio do engajamento físico com o espaço. E enquanto alguns preferem evitar o uso de telas digitais e tecnologias na primeira infância, outros acreditam que envolver as crianças com novas tecnologias desde muito cedo pode ser um ótimo mecanismo para potencializar o seu desenvolvimento.
Superfícies sensoriais
Além das telas e dispositivos mencionadas acima, o uso de superfícies sensoriais em projetos de interiores tem se demonstrado um grande aliado no que se refere ao desenvolvimento psicomotor das crianças. Superfícies sonoras e texturizadas ou até que mudam de cor são muito estimulantes para as crianças. O mesmo pode ser dito do quadro negro e painéis para pintar e desenhar, os quais permitem as crianças desenvolver melhor suas habilidades motoras. Os espelhos, por sua vez, estimulam o reconhecimento de seu próprio corpo e rosto permitindo que elas identifiquem as diferentes expressões faciais e de que forma elas se relacionam com as nossas emoções.
Kids Smile Labo Nursery / HIBINOSEKKEI + Youji no Shiro
Casa do Charles / Austin Maynard Architects
Acessibilidade e adaptabilidade
Uma das características mais importantes em projetos de interiores para crianças são os recursos capazes de proporcioná-las uma maior autonomia, permitindo que elas dependam exclusivamente de si para utilizar o espaço. Semelhante à escala, a acessibilidade infantil permite que as crianças explorem e transitem o espaço de forma independente, ainda que diferentes faixas etárias demandem distintas soluções. Por isso, é recomendável que estes espaços sejam flexíveis, e que possam evoluir de acordo com o desenvolvimento físico e psicológico das crianças.
Geometrical Space for a Two Kid Family / Atelier D+Y
Abertura para o exterior
As crianças não devem ficar confinadas em espaços fechados onde a luz natural é escassa. É nessa idade que elas começam a explorar seus diferentes sentidos para descobrir do que é feito o mundo à sua volta. Considerando a importância do contato com a natureza, a luz solar direta e a ventilação natural, arquitetos têm utilizado o desenho da paisagem como um importante aliado para criar espaços de aprendizado e desenvolvimento para crianças em todas as idades. Edifícios térreos são sempre uma ótima solução, favorecendo o acesso direto e irrestrito ao espaço exterior, proporcionando às crianças maior liberdade e segurança.
Creche AKN / HIBINOSEKKEI + Youji no Shiro
Paleta de cores
De acordo com a método Montessori, o excesso de diferentes cores e texturas em um mesmo ambiente pode causar confusão e irritação nas crianças, principalmente nas mais pequenas. Portanto, o método recomenda a utilização de uma paleta de cores simples e que facilitem a vida das crianças nos processos de tomada de decisão.
Hangzhou Neobio Family Park / X+Living
Descubra outros projetos de interiores projetados para crianças na pasta My ArchDaily criada pela autora.
Este artigo é parte da série Ideias para Casa, em que exploramos assuntos relacionados à vida doméstica a partir de dicas, soluções e ideias para melhorar sua residência. Como sempre, o ArchDaily está aberto a contribuições de nossos leitores; se você quiser enviar um artigo ou projeto, entre em contato.